Eu?

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De dentro e do avesso, misturas do bem e do mal. Formada em Moda; Fascinada por arte desde sempre; na busca de transformar a vida em puras canções.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Uma carta pra mim mesma.

Velha infância
SAUDOSISMO

Aí eu fiquei me lembrando de quando eu era criança, e o mundo era só um tapete colorido pra eu andar e descobrir. Que delícia era aquilo tudo… Tudo era novidade. Uma fita métrica, os anúncios da rua tentando ler, um copo de lata de presente do pai, canções na maleta da minha mãe, o tio trazendo chocolate, uma roupa da Lilica Ripilica. Tudo era brilhante e diferente, tudo era adorável e curioso. Tudo fazia o mundo ter uma graça, um mistério, um calor diferente. E me peguei muito, muito a alegria que trago daquela época.

Para as crianças, pra mim foi assim, os dias compridos, intermináveis. Brincar de boneca, arrumar a casa da Barbie era tudo, era o desejo da vida real colocado na fantasia da brincadeira. Sair com os primos, meu irmão de óculos de sol e motoca, minha irmã de vestido rodado andando patins. Uma cabana no bosque, a casa da Turma da Mônica, o porão da casa da Nani, usar a maquiagem da tia, jogar o Jogo da Vida torcendo para ter filhos gêmeos, brincar de tubarão na igreja.

Eu me lembro que uma mesma tarde dava pra brincar, pra fazer a lição de casa, pra assistir Castelo Ratimbum, pra dormir, pra desenhar, comprar doce, e ainda passear com minha vó no supermercado. Que tardes eram essas, que hoje em dia ficaram tão curtas pra mim? Por que o tempo, para os adultos, é tão curto, tão corrido? Quando ganhei o meu primeiro relógio que funcionava - da Barbie, aquele, que as crianças ganham quando ainda não sabem ver horas direito, me lembro de que deveria tirar o relógio na hora de tomar banho. Eu acreditava nas histórias do "Papa-figo" que meu pai contava, e meu irmão acreditava que o Lobo-mau disfarçado do teatro iria pega-lo no meio da peça e logo abria o bocão, que tempo maravilhoso que sempre nos acompanhava . Que pena que a lógica da vida dos adultos não me deixar mais acreditar nessas coisas…

E o que dizer da capacidade inesgotável de se movimentar? Pular de uma escada de 10 degraus, cair, levantar, chorar, rir, correr sem parar, competir escalando a parede, pega-pega em volta do colchão, escorregar no quintal molhado, tomar banho de chuva, pular corda, balançar, pendurar-se nas portas do guarda-roupa, achar graça em galo na testa, língua mordida, voltar cheia de barro para casa. Que diferentes e patéticos são os adultos, que só correm pra chegar no horário no banco, que não se aventuram mais a pular os degraus da escada, que não conseguem se movimentar nem pra buscar a comida na cozinha depois de um dia cansativo de trabalho. Desmotivados são os adultos, que usam as mesmas roupas por anos, pois não crescem mais, não mudam, a não ser para envelhecer e engordar.

Os relacionamentos, esses eram deliciosos. Um sentimento de ira era rápido, era só virar a cara ou um simples “tô de mal” ou mostrar a língua e logo em seguida tudo se resolvia. Uma festa de aniversário era motivo pra uma euforia que durava dias. Fazer trabalho na casa da amiga... era só alegria! só terminava a noitão, parava várias vezes para comer, brincar, assistir tv. Na igreja, o lápis e a caneta me acompanhava não deixando ninguém prestar atenção no culto. Uma brincadeira nova era razão de arrumar mais amigos, ficar arrumando horas e horas a casa da barbie. Criança não costuma mentir pra agradar, nem pra fazer média, e também não gosta de ser contrariada. Que delícia era chorar com vontade quando alguém magoava ou ofendia, ao invés de sufocar a razão, sorrir sem graça, tentando controlar seus impulsos, fingir que não entendi pra não explodir. Que máximo era gritar, beijar, abraçar e fazer carinho com vontade, descobrindo o outro, sem malícias, sem se preocupar em ser inconveniente nem parecer que está invadindo. Que delícia era ficar de bem apenas dando um dedinho “Vamos ficar de bem?”, sem precisar de tempo, mágoa, nem de discussões filosóficas intermináveis, nem de promessas falsas, nem de perdões impossíveis. Que delícia era poder me expressar na certeza de que seria acolhida depois dos conselhos, não importando se estivesse feliz ou triste, brava ou tranquila, indignada ou pasma.

Os problemas de criança são curtos e intensos, como um comercial de televisão. Quanto tempo dura um castigo? Por que a roupa rasgou? O que eu vou fazer quando o meu pai chegar e ver a parede rabiscada? Vou ter que pedir desculpas? Se minha mãe descobrir que eu abri essa caixa de bombom? Por que o meu amigo corre mais rápido que eu? Como vou conseguir o modelo novo da boneca que faz xixi?
Nada parecido com as coisas que consomem os dias dos adultos, os adultos, tão diretos em suas desgraças, e incapazes de se divertir com a alma em meio às crises… Os adultos, que se preocupam com o que não podem e não poderão nunca resolver, e assim deixam os dias passando debaixo do próprio nariz.

A criança é aquele ser inacabado, aquele poema em construção, aquela música que está sendo composta. Se revê, se atualiza, se reencontra, se reencanta a todo momento, e assim é vista também. Para o adulto, não há mais mistério em como funciona uma televisão, nem em como as nuvens passeiam no céu, nem no trovão nos dias de temporal. Não há mais graça nas coisas pequenas do dia-a-dia, e é por isso que as pessoas grandes estão sempre buscando a alegria e o encantamento em coisas inatingíveis, imaginárias, em idealizações imensas e sem nexo. O adulto não consegue, como a criança, ser feliz com pouco, como diz Arnaldo Jabour: “A felicidade virou uma obrigação de mercado. É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja. A Felicidade é ser consumido, é entrar num circuito comercial de sorrisos e festas e virar um objeto de consumo”.

É por isso que os adultos têm inveja das crianças. É por isso que brigam tanto, se incomodam tanto, se irritam tanto com elas. É por isso que querem controlá-las, ensiná-las dizer o que têm que fazer, não importa se isso vai custar lágrimas inocentes e milhares de “cala a boca e obedece!”. É por isso que os adultos insistem em adaptar as crianças a um mundo que eles mesmos repudiam, sem dar a elas a chance de transformação, de criar novas possibilidades, de simplificar as coisas. É por isso que a criança é sufocada pela mania de ficar prevendo o futuro; ela acaba cedendo e se tornando um adulto triste, sedentário e complicado também. É por isso que as crianças fracas ficam tristes mesmo quando ainda são pequenas, tendo a infância roubada pela agenda louca e ditadora dos adultos. É por isso que nós, adultos, esquecemos de como era legal brincar e ter a felicidade ao alcance dos dedos com o passar dos tempos… E chegamos a nos perguntar: Por que queremos ter crianças por perto?

Depois de alguns anos estando juntos delas, descobri por que quero estar perto das crianças. É que, ao vê-las tão felizes com a vida, roubo delas um pouco dessa alegria que as crianças são. Roubo descaradamente, e me dou o direito e o prazer de redescobrir o prazer de cantar uma música nova e nem perceber a hora do ensaio acabar, contar histórias... de descobrir seu modo de diversão em pleno século XXI, de ouvir uma risada inocente, delas brincarem de professora imitando você mesma, de pintar com tinta e melecar a mão. Passo por tudo isso de novo, e quando me esqueço, por alguns minutos, que sou a adulta responsável por eles, fico feliz e tranqüila, como uma criança… Esqueço de tudo lá fora, e vivo minha vida leve de novo - ainda que não consiga mais correr por tantas horas, nem me encantar com o pescoço da girafa do zoológico. Quando estamos juntos, nos divertindo, ou quando eu as observo, vejo nelas a alegria que eu mesma era (desse saudosismo que falei, mas que ainda quero viver perto delas) e me lembro como a vida pode ser simples quando a gente fala “pefessola” e tem tudo pela frente. As crianças, se me sugam, me alimentam durante os dias. E é por isso que, enquanto a criança moleca que eu fui ainda estiver viva, vou querer estar perto delas. Termino esse texto adaptado como uma frase: "Crescer é complicado, é uma espécie de corrida contra o tempo, e o resultado é sempre duvidoso."

DC Dani Chaves

2 comentários:

  1. Oi, Dani! Vim conhecer seu blog, gotei dos textos. Quero agradecer sua presença e deixar um beijo.

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  2. Dani, lindo texto amiga... voltei à minha infância por alguns momentos lendo este. Bjss

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